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Foto do escritorJessica Maia

Cineclube Pé no Chão: "Na Natureza Selvagem" — Da Trilha Sonora da Vida à Trilha na Natureza

No sábado, 3 de agosto, o Cineclube Pé no Chão exibiu o filme "Na Natureza Selvagem" (Into the Wild), uma aventura dramático-biográfica dirigida por Sean Penn e lançada em 2007, com os atores Emile Hirsch e Marcia Gay Harden. Não foi somente uma experiência audiovisual, mas uma imersão em sons, caminhos e reflexões internas e externas. Na roda final do cineclube, discutimos o filme, a trilha sonora, o livro, e também sobre nós mesmos.


O ônibus mágico (142 K5 da International Harvester de 1946) - ônibus abandonado na Stampede Trail, ao lado do rio Sushana.

Sempre fui apaixonada por sair, me mover, caminhar, mudar, e também por Pearl Jam, On The Road, caminhos e céus estrelados — trilhas sonoras e caminhos da minha juventude. Li pela primeira vez o livro Na Natureza Selvagem, de Jon Krakauer, em 2005, e em 2007 ganhei do José Ronaldo o álbum homônimo do Eddie Vedder com a trilha sonora do filme, que ainda não tinha visto. Finalmente, assistimos o filme naquele mesmo ano, no cinema. Foi chocante. Sim! Emprestei e esqueceram "por querer" de me devolver. rsrsr Adquiri novamente e reli várias vezes, ouvi várias vezes e assisti algumas vezes. Quando gosto, repito incansavelmente.


Escrevendo ao som de Into The Wild https://www.youtube.com/watch?v=Bme8NUv8LCI

Entre 23h58 até às 05h12, de 11 de agosto de 2024, no sofá com a gata Selene ao lado.


"When you want more than you have

You think you need

And when you think more than you want

Your thoughts begin to bleed

I think I need to find a bigger place

'Cause when you have more than you think

You need more space" (VEDDER, Society)


_Ouça o solo do violão_

_Tente ouvir somente o violão_



Embora no Cineclube Pé no Chão tenhamos apresentado o filme, é impossível discorrer sobre "A Natureza Selvagem" falando apenas da obra audiovisual. Pois o enredo perpassa a ficção construída por Pen, trazendo desde as trilhas sonoras da vida às trilhas da natureza na reportagem de Krakauer e nas canções de Vedder. Nesse sentido, trarei aqui, como bem sei fazer, um pouco de cada um: do filme, do livro e do álbum de Vedder relacionando com outras referências aleatórias, pois o caminhar de Chris foi feito de várias referências, como um trecho do "The Call of the Wild " de London que deixara pichado, em 1992, na lataria do ônibus mágico, localizado na estrada de Stampede Trail, Healy, AK 99743, Estados Unidos, (63.895368773399376, -149.77394141084676).


O filme

O livro

O álbum




"A besta primordial dominante era forte em Buck e, sob as violentas condições da vida na trilha, ele cresceu e cresceu. Contudo, era um crescimento secreto. Sua nova sagacidade deu-lhe aprumo e controle." (LONDON, 1903)


Tal como Society de Vedder (2007) trás uma sociedade forjada em competições, materialismo e sobrevivência, Buck de Lodon (1903) é forte, treinado nas garras dos homens para percorrer os extremos com resiliência e após uma longa caminhada de enfadonho sofrimento retorna ao seus modos mais selvagens de disputa na natureza. Assim, McCandless se vê já ao final de sua estadia terrena no Magic Bus quando abate um alce de aproxidamente 250 a 300 kg para se alimentar e por sua inexperiência perde o alimento e tem somente um animal inutilmente morto por ele.


Como vê, Na Natureza Selvagem não é apenas uma história e o desdobrar de suas obras: livro, filme e álbum. Todas as obras criadas inspiradas na história foram em minha opinião muito respeitosas e muito bem construídas trazendo o mesmo sentimento de busca por uma melhor versão de Christopher McCandless.


"Na Natureza Selvagem" — Da Trilha Sonora da Vida à Trilha na Natureza


Quem foi Christopher McCandless e o que ocorreu?


Em abril de 1992, um jovem de uma família abastada da costa Leste dos Estados Unidos foi de carona até o Alasca e adentrou sozinho a região selvagem e desabitada ao Norte do Monte McKinley (KRAKAUER, 1998, p. 23). McCandless, em um desespero de fome, depois de aprisionado pelos rios Toklat a Oeste e o Taknalika a Leste - por onde cruzou a margem esquerda na chegada - intransponíveís em sua tentativa de retorno, com o degelo do permafrost, nevascas e clima severo, alimentou-se de uma espécie de batata selvagem venenosa que lhe causou intoxicação, inanição e óbito. Quatro meses depois, seu corpo decomposto foi encontrado por um grupo de caçadores de alce.


Jon Krakauer defende a tese de que McCandless não confundiu a espécie de batata de que se alimentou durante o período isolado nos arredores do ônibus. Ou seja, que Christopher não comeu a espécie H. Mackenzii indicada como tóxica no manual Tanaina plantlore que portava com ele, mas sim, se intoxicou com a ingestão das sementes da H. alpinum, descrita no manual como não tóxica. (KRAKAUER, 1998, p. 198)


















McCandless não estava totalmente isolado, embora ele achasse. Em um raio de 25 km a Oeste e Leste haviam distritos e num raio de 10 km reservas ambientais frequentadas por turistas e cabanas nos entornos. Entretanto, pela inexperiência dele em ambientes naturais extremos, cruzou o rio Taknalika enquanto estava com baixa vazão e permaneceu no local até o degelo, o que impossibilitou sua alimentação e fuga do local. Se tivesse um mapa topográfico em mãos notaria que havia uma cabana de caçadores a apenas 9 km de distância do ônibus.



No verão de 1990, logo após formar-se, com distinção, na Universidade Emory, MCCandless sumiu de vista. Mudou o nome, doou os 24 mil dólares que tinha na poupança a uma instituição de caridade, abandonou seu carro e a maioria de seus pertences, queimou todo o dinheiro que tinha na carteira. Inventou então uma vida nova para si, instalando-se às margens, maltrapilho, de nossa sociedade, perambulando pela América do Norte em busca de experiências cruas, transcedentes. Sua família não tinha nenhum contato ou informação sobre ele até seus restos mortais terem sido encontrados (KRAKAUER, 1998, p. 09).


A trilha: O lugar de refúgio


Na margem Norte da cadeia do Alasca, a montante do McKinley (Monte Denali), que é a montanha mais alta da América do Norte, com 6.194 metros de altitude está situada a trilha por onde ele percorreu. É um lugar extremamente frio, distando apenas 200 km do Círculo Polar Ártico, com um clima extremo.

A Trilha Stampede (Stampede Trail em inglês) é uma estrada e trilha localizada no Distrito de Denali, no estado americano do Alasca, que foi inicialmente usada por um mineiro com o nome de Earl Pilgrim na década de 1930. Isso levou a concessões de antimônio, localizadas a 60 km de Healy. Em 1961, a pista foi reformada como parte do Programa de Estradas Pioneiras do Alasca, mas a reforma foi interrompida após a construção de 50 km de estrada. O ônibus, que era então um abrigo para caçadores e guardas florestais, serviu de alojamento básico para os trabalhadores da empresa Yukan responsáveis ​​pela execução das obras rodoviárias. Em 1961, a pista foi reformada como parte do Programa de Estradas Pioneiras do Alasca, mas a reforma foi interrompida após a construção de 50 km de estrada.



A área onde McCandless ficou é margeada pelos rios Toklat a Oeste e pelo rio Teklanika a Leste. O Rio Teklanika (Tanana Inferior: Tach'edhaneek'a) é um tributário de 146 km do Rio Nenana, no estado americano do Alasca. O Nenana é um tributário do Rio Tanana, que faz parte da drenagem do Rio Yukon na região central interior do estado. Fluindo para o Norte a partir das nascentes na Geleira Cantwell na Cordilheira do Alasca, o Teklanika drena uma área amplamente visitada por turistas no Parque Nacional e Reserva Denali. A única estrada do parque cruza o rio e um acampamento do Parque Nacional, que está localizado em sua margem Leste.


A trilha sonora da Vida


"Eu queria movimento e não um curso calmo de existência. Queria excitação e perigo e a oportunidade de me sacrificar-me por meu amor. Sentia em mim uma superabundância de energia que não encontrava escoadouro em nossa vida tranquila" (LEON TOLSTÓI, Felicidade Familiar)


Infelizmente, McCandless subestimou a dureza da vida selvagem. Em agosto de 1992, ele morreu de fome, com apenas 24 anos. Em seu diário, relatou seus desafios e a crescente fraqueza, resultante da falta de alimento adequado. No início, o menino que queria fugir da sociedade, das disputas, dos conflitos familiares, se viu impotente diante da impiedosa natureza que o prendia através de um rio intransponível. Já no fim da vida, fraco, em uma cena do filme, ele reflete que "a fragilidade de um cristal não é a sua fraqueza, mas sua pureza", e escreve em uma página de um livro gasto: "A felicidade só é real quando compartilhada", de Thoreau.


"Circles they grow and they swallow people whole

Half their lives they say goodnight to wives they'll never know

A mind full of questions, and a teacher in my soul

And so it goes

Don't come closer or I'll have to go

Holding me like gravity are places that pull

If ever there was someone to keep me at home

It would be you" (VEDDER, Guaranteed).



McCandless ou Supertramp tinha uma desejo de refletir seu caminhar de auto-descoberta e um desejo de liberdade pessoal. Durante o bate-papo no Cineclube alguns citaram outras personas com o mesmo desprendimento e impulso de forma a buscar a satisfação da pulsão, como Jesus Cristo e São Francisco. Claro! Cada um com sua especificidade. O desejo de autenticidade, a angústia da existência humana e as armadilhas tanto da sociedade quanto da busca por isolamento podem fazer com que tentemos fugir de nossas verdadeiras razões para seguir em frente. McCandless, como Alexander Supertramp, é o exemplo de uma alma que buscou fugir do sofrimento interno e das contradições da sociedade, mas que encontrou sua solitude na natureza selvagem e aprendeu a lidar com as suas próprias limitações humanas e psicológicas.



McCandless rejeitou a sociedade em busca de um ideal, mas essa rejeição o levou a uma solidão extrema, um tema que também permeia as músicas de Vedder. A solidão de McCandless no Alasca, apesar de ser uma escolha consciente, tornou-se uma prisão, semelhante à prisão que a sociedade moderna pode representar para aqueles que se sentem alienados.


Assim como o seu personagem preferido, Buck, ele precisa chegar em situções extremas que o forjam a partir do sofrimento para só aí então refletir sobre o seu verdadeiro eu. Pode ter sido motivado por uma necessidade de purificação e redenção, tentando superar sua angústia, conflito com os pais, através de uma relação direta e quase primitiva com a natureza. Essa necessidade de fuga do trauma e do sofrimento como necessário para crescimeto interno - de dentro para fora. A tentativa de viver uma vida mais autêntica e significativa, uma busca por algo mais profundo e verdadeiro, que ele acreditava estar ausente no mundo moderno.




Próximo filme do Cineclube Pé no Chão: A Guerra do Fogo


Referências


KRAKAUER, Jon. Na Natureza Selvagem. Tradução: Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras: 23° Impressão, 1998. ISBN: 978-85-7164-787-9.


BRANDOLIN, THOMAZ. Ascensão do Monte Denali/McKinley – 6.194 m – Alaska - 1986. Disponível em: https://thomazbrandolin.com.br/Expedicao-Monte-Denaly.php










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