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Foto do escritorJessica Maia

TRILHAR É COLABORATIVO!

Bem-vindo(a) à reflexão sobre um tema que vai além das pegadas na terra: "Trilhar é colaborativo". À primeira vista, fazer uma trilha na natureza pode parecer uma atividade simples e prazerosa, mas ao observarmos mais de perto, descobrimos uma riqueza de aprendizados colaborativos que vão além dos passos dados.





A trilha, esse caminho natural entre árvores, rochas e riachos, revela-se como um terreno democrático, onde cada participante é convidado a contribuir para o sucesso do evento e a chegada do outro. Caminhar em grupo não é apenas um lazer, é uma lição sobre cuidado mútuo, sobre a importância de considerar o próximo, de zelar pelo bem-estar do grupo e de preservar o lugar que exploramos.


São oito os princípios destacados como a base ética para que se desfrute da natureza com o mínimo impacto possível (NEIMAN et. al. p. 118):


1. Planejamento é fundamental;

2. Você é responsável por sua segurança;

3. Cuide dos locais de sua aventura;

4. Traga seu lixo de volta;

5. Deixe cada coisa em seu lugar;

6. Evite fazer fogueiras; 

7. Respeite os animais e as plantas;

8. Seja cortês com os outros visitantes e com a população local.


Esses oitos princípios delineiam um código de conduta básico para se estar em lugares naturais e de beleza que nos enchem os olhos. Se analisarmos bem não são simples regras, são nortes que estabelecem uma convivência respeitosa com o lugar que gostamos de estar. São princípios tão básicos e simples que até refletimos quando há alguém resistente a eles. Ao adotar tais diretrizes, não só nos tornamos visitantes conscientes, mas também guardiões dedicados desses espaços naturais que temos a sorte de explorar.


TRILHAR É PLANEJAR PARA SI E PARA O OUTRO


Os filósofos caminhavam, mas os filósofos que pensaram sobre o caminhar são raros.

Rebecca Solnit (2001, p. 15)


Consultamos o mapa, decidimos o caminho, despedimo-nos, equilibramos a mochila, localizamos a trilha, certificamo-nos da direção. Tudo isso supõem uma ligeira pausa, são recuos, pontuações para verificarmos se tudo está em seu devido lugar: então, seguimos. (GRÓS, p. 38) A caminhada não é somente um passeio sem rumo, uma deambulação solitária. Ela adotou, ao longo da história, formas de organizar, de onde e como chegar, sua finalidade. 


A caminha é uma aventura, assim como a vida. Nos deparamos com desafios ao longo do trajeto e devemos estar preparados para lidar com essas situações com corpo saudável, mente sã e vontade de seguir, sempre juntos! O individúo como ser curioso e experimentador precisa da aventura, da busca de novos desafios, da incerteza do desfecho, da excitação de novas descobertas, da magia de revelar em si novas habilidades e forças de cuja existencia ele não suspeitava. (BECKER, 1989, p. 8) Isso nos move ao desconhecido. E isso serve para nos revitalizarmos a mémoria do que há de melhor em nós, e valorizarmos as nossas origens o que se mostra em nosso caminho.


Nessa comparação, é crucial estar pronto para enfrentar desafios, encarar situações perigosas e resistir às intempéries. Muitas pessoas abordam a ideia de caminhar em áreas remotas com uma visão romântica e pouco realista da trilha, ignorando o esforço necessário para organizar um evento e para alcançar os destinos desejados.


A preparação é essencial; é preciso estudar o caminho, entender o território a ser percorrido e refletir sobre o que levar consigo. Além disso, é fundamental considerar os atributos a serem adquiridos ou desenvolvidos e, sobretudo, conhecer os próprios limites físicos, sabendo quando é necessário abster-se de certos lugares. Desistir não é a solução, mas fazer uma pausa estratégica para se preparar para alcançar os objetivos desejados.


Caminhar em trilha como em uma cidade é arte que exige rítmo, uma passada regular e equilíbrio, para conservar energia e poder ir longe. Assim também é nosso caminho na Vida. Os olhos caminham sempre um passo a frente, analisando os detalhes pelo chão, interpretando a forma e a disposição do relevo, das rochas, degraus. (BECKER, 1989, p.15). Percebem, como o ato de caminhar estar relacionado filosoficamente ao ato de se viver? Exige preparo, planejameto e conhecimento de si mesmo para entender suas limitações.


Portanto, preparar-se para a trilha significa não apenas amarrar os cadarços e começar a andar, mas envolve um conjunto completo de habilidades, planejamento cuidadoso e um profundo conhecimento de si mesmo para enfrentar os desafios do caminho com sabedoria e determinação.


TRILHA EM GRUPO ENTÃO, É SEGUIR SEU CAMINHO DE FORMA AUTÔNOMA MAS SEMPRE PENSANDO COLETIVAMENTE.


Caminhar junto é seguir seu caminho em sua individualidade, mas prestar atenção nos passos do outro, nas dinâmicas ao redor, nas interações com o ambiente, nas respostas que recebemos a cada passo. E quando por algum motivo um ficar para trás, a nobreza de desacelerar o passo para caminhar junto novamente com o companheiro de estrada é fundamental para chegarem juntos ao final da travessia. 


Ao caminhar de maneira autônoma, cada membro do grupo assume a responsabilidade por suas escolhas e ações, decidindo o ritmo, avaliando desafios pessoais e mantendo seu próprio passo. Essa autonomia além de produzir a liberdade individual, nutre um senso de autoconfiança e autodeterminação.


No entanto, essa autonomia não é isolada. Em um grupo, a jornada individual se relaciona com a experiência coletiva. A consciência coletiva requer pensar além do indivíduo, considerando constantemente o impacto das decisões no grupo como um todo. Se um membro enfrenta desafios, a cooperação se torna a resposta natural. É preciso ajustar o passo, estender uma mão amiga, compartilhar experiências e conhecimentos.



Esse chegar juntos ao final de uma longa e tortuosa caminhada, cheio de atrativos, momentos deliciosos, mas também de desafios, tropeços, lances de difícil acesso é gratificante. Chegar juntos no topo e olhar a paisagem de forma coletiva é único. Como GRÓS nos mostra “para pensar é preciso ter uma vista desimpedida, estar em lugar elevado, dispor de um ar transparente. É preciso desenvoltura para poder chegar longe com os pensamentos.” (GROS, p.31) e também com os pés. É preciso abstenção para se livrar das individualidades em uma caminhada em companhia do outro. 


São vários os tipos de caminhadas e caminhantes, revelando tudo o que essa simples atividade tem a nos ensinar. Com a fúria da juventude ou a paciência da velhice; a passos largos ou agitados; por horas a fio ou só por alguns minutos, várias vezes ao dia ou apenas pela manhã; na floresta, no campo ou na praia: para cada caminhada, um caminhante, e para cada caminhante, todo um universo de significados e uma maneira única de percorrer a vida e o mundo.


“É nas longas caminhadas que se entrevê essa liberdade de pura renúncia. Depois de andar durante muito tempo, chega um momento em que não sabemos mais quantas horas já se passaram nem quantas ainda faltam para chegar ao fim; sentimos nos ombros o peso do estritamente necessário, pensamos que já é o bastante [...] e sentimos que poderíamos continuar assim por dias, por séculos.”



Assim, a trilha em grupo se revela como um delicado equilíbrio entre a autonomia pessoal e a consciência coletiva. É a compreensão de que, embora cada um siga seu próprio caminho, a força e o sucesso residem na capacidade de pensar e agir em prol do grupo. Essa dinâmica singular transforma a experiência de caminhar em grupo em uma jornada enriquecedora, onde a interdependência se torna a chave para superar desafios e celebrar conquistas coletivas.


TRILHAR É RESPEITAR O LUGAR POR ONDE SE CAMINHA


No século XIX, Thoreau escreveu: Quando caminhamos, vamos naturalmente aos campos e bosques: o que seria de nós se andássemos somente num jardim ou passeio arborizado? (Solnit, p. 143)

Trilhar vai além de simplesmente percorrer um caminho; é uma prática que exige um profundo respeito pelo ambiente que se atravessa. Assim como nos demais aspectos da caminhada, essa premissa reflete a relação com a natureza e uma filosofia de vida.


Respeitar o lugar por onde se caminha vai além do cuidado com o meio ambiente; envolve também uma consideração profunda pelas comunidades locais. Ao trilhar, torna-se crucial reconhecer que estamos inseridos em ecossistemas sociais, onde as interações humanas desempenham um papel fundamental na preservação do equilíbrio e na riqueza dessas regiões.


O respeito às comunidades locais implica em compreender e valorizar a cultura, tradições e modos de vida específicos da região. Isso se traduz em uma abordagem aberta, onde os trilheiros não apenas passam pelo lugar, mas também interagem de maneira respeitosa, aprendendo com a sabedoria local e contribuindo positivamente para a sustentabilidade dessas comunidades.


Congonhas do Norte, MG, 2012, Tatiana, Jéh, Adédison e a gentil dona Antônia.


Estar na natureza, abrir mão das comodidades citadinas, compreende que devemos abstermos dos confortos e das praticidades do dia-a-dia, do cotidiano urbano. Estarmos em lugares ermos compreende-se que devemos estar integrados a ele, ao todo. 


Respeitar o lugar por onde se caminha envolve uma consciência constante do impacto das nossas pegadas. Cada passo deixa uma marca, e esse entendimento nos instiga a adotar práticas que minimizem o impacto ambiental. É a compreensão de que a trilha é um espaço compartilhado, um ecossistema delicado que merece ser preservado para as gerações futuras.


Um conceito novo é o de ecoturismo ou turismo ecológico, onde se misturam os lazer, o gosto por caminhar, pela aventura, a contemplação da natureza somado a preocupação com o meio ambiente para onde vamos. É mais do que turismo por si só. É todo um estilo de vida e também um cuidado por onde caminhamos e como o fazemos. A importância então desse conceito é a sustentabilidade dos atrativos que visitamos. Visitar e estar nos lugares sem comprometê-los de alguma forma. 


O ecoturismo é a prática de atividades em áreas naturais nativas, pouco alteradas ou já recuperadas, que utiliza o patrimônio natural de forma sustentável, incentivando a sua conservação, promovendo a formação de uma consciência ambientalista e garantindo o bem-estar das populações envolvidas.  (NEIMAN et. al. 2005, p.8) A filosofia do respeito na trilha se estende a essa abordagem que busca equilibrar o prazer da caminhada com a responsabilidade ambiental. Praticar o ecoturismo significa desfrutar da natureza e fazê-lo de maneira sustentável, contribuindo para a conservação do ambiente e promovendo a conscientização ambiental.


É um desafio chamar a atenção para o caminhante ou ainda um grupo deles para essa responsabilidade com o meio que ele deseja se inserir. Nesse sentido, a educação ambiental possibilita um maior entendimento da relação entre nós, seres humanos e a natureza, o espaço é seu semelhante, levando ao surgimento de novos valores de convivência e respeito com o ambiente natural e modificado. O respeito na trilha implica em seguir as normas éticas e práticas estabelecidas para minimizar o impacto negativo. Isso inclui desde a proibição de fazer fogueiras até o cuidado com o lixo produzido durante a caminhada


Uma polêmica interessante é quando se pode levar animais domésticos para as trilhas. Há um conflito entre os interesses de um meio ambiente equilibrado e o desejo de caminhantes em estarem na companhia e fazendo companhia a seus animais de estimação. Em área de preservação ambiental há proibição expressa em adentrar em seus limites com animais domésticos. A proibição nesses casos, é baseada em pareceres técnicos, constitui medida necessária e adequada à proteção da fauna, destinada a evitar o dano ambiental causado pelos dejetos não recolhidos adequadamente dos animais, da predação de um animal por outro, da transferência de patógenos capazes de passarem doenças de uma para outro, entre outra razões. 


Outra questão é se pode ou não jogar resto de alimento nas trilhas, por serem matéria orgânica. Novamente devemos balizar o grau de proteção e de fragilidade do ambiente que estamos ocupando. Espécies não nativas ao serem jogadas em Unidade de Conservação podem interferir no equilíbrio desse ecossistema, além de servir como alimentação para os animais silvestres e também serem possíveis transmissores de doenças. 


Estar na natureza e não tirar nada dela e ao mesmo tempo não deixar nada nela. A contemporaneidade nos traz o conceito de consciência ecológica. As leis em áreas protegidas são cada vez mais rigorosas. Sendo categórica como GOULART em sua descrição-poema das paisagens: caçar animais silvestres é crime; cortar mata nativa é crime; desmatar matas ciliares é crime; poluir e revirar leitos de rios é crime; atear fogo nas florestas é crime. Nada mais lógico! (GOULART, p. 90).

Nas caminhadas a mesma coisa: deixarmos só pegadas, tirarmos apenas fotografias, levarmos apenas boas lembranças. É simples!


A caminhada subverte por completo a grande separação entre o “fora” e o “dentro”. Não deveríamos dizer que atravessamos as montanhas, as planícies, e que paramos nos albergues. É quase o contrário: durante vários dias, habitamos uma paisagem, lentamente tomamos posse dele e fazemos dela o nosso lugar. (GRÓS, p. 39) Então, durante todo dia esta paisagem, o lugar por onde caminhamos será nossa casa, é aqui que vamos viver enquanto caminhamos. 



Gostou do tema? Que tal vir participar da palestra “Trilhar é colaborativo”, do Pé no Chão com a participação de Adriana Coelho. 

É de graça! Só chegar!



Adriana Rodrigues Alves Coelho é a filha do Edson Coelho. Tem licenciatura e mestrado em Química, além de especialização em NeuroEducação. É fã de cachoeira, nunca fez uma travessia longa, está cada vez mais interessada em acampamentos e sempre resmunga quando o caminho é uma subida. Anda com o Pé no Chão há pelo menos 10 anos, ainda que esporadicamente.



Prepare-se para uma abordagem descomplicada e sensata sobre como a simples atividade de caminhar juntos em uma trilha pode nos ensinar sobre cooperação, formação de laços e a importância de preservar os ambientes naturais que nos acolhem.


Venha participar dessa conversa sobre as trilhas que percorremos no Pé no Chão, não apenas na natureza, mas também nas relações humanas. Descubra como trilhar se torna uma metáfora para uma vida mais colaborativa, onde cada passo conjunto fortalece o caminho e os vínculos que construímos ao longo dessa trajetória.



Nesta palestra, Adriana Coelho irá desbravar como trilhar se transforma em um exercício de colaboração, ensinando lições valiosas sobre empatia, responsabilidade compartilhada e respeito ao meio ambiente. A natureza, por si só, se torna uma mestra nessa aula prática de convivência e colaboração.




Referências


BECK, Sérgio. A Aventura de Caminhar: um guia para caminhadas e excursionismo. São Paulo: Ágora, 1989. 154 páginas. 


COVERLEY, Merlin. A Arte de Caminhar: o escritor como caminhante. Tradução: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes. Selo Martins Fontes. 2014. 


GOULART, Nos Ermos e nas brumas da Serra do Espinhaço. Editora Médica Coopmed. Belo Horizonte: 2001. 97 páginas. Ilustrado.


GROS, Frédéric. Caminhar: uma filosofia. Tradução: Célia Euvaldo. Editora UBU 208 páginas. ISBN9788571261211. 


NEIMAN, Zysman; MENDONÇA, Rita. Ecoturismo no Brasil. Barueri, São Paulo: Manole, 2005. ISBN: 85-204-1926-7.


SOLNIT, Rebecca. A História do Caminhar. Tradução: Maria do Carmo Zanini. São Paulo: Martins Fontes: Selo Martins Fontes, 2016. 503 páginas.










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